(Kaiser Music, Estádio do Pacaembú, São Paulo, 20 de setembro de 2003.)
Serei eternamente grato pelo precioso empurrão de Mr. Gloug Guedes, que me levou ao open air do Deep Purple no Pacaembu, São Paulo City.
Consegui ingresso privilegiadíssimo, melhor impossível. Estabeleci-me a circa 10 metros do palco, naquele lugar que se você chegasse 8 horas antes do show e escolhesse “É este!”... seria ali. O esquema de cadeiras na pista gera este tipo de privilégio. Visão perfeita, e na boca do palco nem estava tão cheio. Bem... até que começou o show do Sepultura...
Terra em transe. Quem nunca viu o Sepultura ao vivo – e a 10 metros de distância em um estádio lotado – não tem dados para dizer que não gosta de Sepultura. É irresistível: tribal, furioso, energia e eletricidade incontidas, ritmo enlouquecedor, guitarras extasiantes, limpas (!). Agumas socialites do camarote da Kaiser atrás de mim tinham pulado a mureta e estavam a meu lado, e descobriam que seus longos cabelos eram iguais aos dos músicos, e que poderiam sacudí-los como eles, e dançar como eles, e se esbaldavam! Imagine a cena: socialites hiper produzidas dançando ao som do Sepultura e sacudindo suas cabeças como legítimas headbangers!...
A massa delirava, e a área VIP Premium onde eu e aquele monte de socialites estávamos foi furiosamente invadida. A partir daí, a situação chegou a ficar perigosa: cadeiras eram arrancadas e arremessadas para cima, ou então empurradas, prendendo as pernas de quem estava ali na frente; as rodas de pogar se formavam com extrema violência, a galera sem camisa se empurrando, chutando e socando puxada pela ferocíssima música, e a pancadaria chegava muito perto (minhas reverências a Mr. Fabio Star, a única pessoa que conheço que já enfrentou um pogar – show dos Raimundos, abertura para Aerosmith, Praça da Apoteose, RJ, no gargarejo – macho paca!).
O Sepultura está em excepcional forma. Andreas captura os desejos da massa e faz com a guitarra exatamente o que se espera dele, ou seja: tudo e mais um pouco. Não houve um único acorde fora do lugar, a altura ensurdecedora era perfeita, o ritmo contagiante, a polícia tentando timida e inutilmente botar alguma moral nas rodas, debaixo das queixas das socialites assustadas porém dançando ensandecidas. Em momentos distintos Mr. Kisser tocou a intro de “Dazed & Confused” arrancando todos os arrepios e emoções possíveis da galera, e mostrando que o Zeppelin é eterno mesmo para gente nova; e também o start de “Lazy”, anunciando ser uma honra para o Sepultura abrir para o Purple. Quem gosta de guitarra – e mesmo quem não gosta – pode imaginar o que seja a ensurdecedora guitarra do Sepultura tocando “Dazed” e “Lazy”. Não tem preço. Não tem arterioesclerose nem mal de Alzheimer que possa algum dia arrancar isto da cabeça de quem lá esteve.
Derrick Green está parecendo uma caveira preta, enorme, gigantesco, uma cordilheira de músculos, um hulk preto com olhos permanentemente esbugalhados e dreadlocks nos cabelos que vão abaixo da cintura. Presença fortíssima, arranhou algumas palavras em português, até quando ele fala “Um, dois, três, quaaaaatro” o estádio treme com sua voz gutural. Impecável.
Quando descobri Igor Cavalera, não mais consegui desgrudar os olhos. Uma bateria colossal, lindíssima, muito maior do que a do Purple, e ele furioso, compenetrado, ele era a música personificada, atento, não pensando em nada que não fosse socar alucinadamente os tambores. Para cada um dos milhares de acordes por segundo de Andreas, uma porrada na batera. Ser baterista de banda de metal é muito mais difícil do que ser guitarrista. Meu ilimitado respeito por Igor.
O show do Sepultura durou 80 minutos. Uma hora depois, às 0h15m, o Deep Purple entrava no palco para 100 minutos que ficarão tatuados em meu cérebro.
Entraram com as luzes acesas e calmamente assumiram seus lugares no palco sob delírio e ovação ensudecedora da platéia. A abertura do show com “Highway Star” em uma versão moderna, soberba e com um ritmo alucinante e alucinógeno mostrou em instantes que Steve Morse é a guitarra perfeita para o Purple, enterrando qualquer idéia de algum dia voltar a ver o mal-humorado Blackmore. Rest in peace, Ritchie; and do not haunt us again!... A galera cantou o solo junto com Steve Morse, foi a segunda vez que vi a platéia cantar um solo, a anterior fora no show do Kiss no Autódromo de Interlagos quando mais de cem mil pessoas cantaram o solo de “Detroit Rock City” junto a Ace Frehley e Paul Stanley em um momento realmente lindo; mas o solo de “Highway Star” é muito mais difícil.
“Lazy” trouxe gaita ao Deep Purple, Ian Gillan puxando uma gaita perfeita, como estão soltos e bem humorados, com um astral altíssimo. Platéia na mão, por muitas e muitas vezes um emocionado Gillan agradecia – “You are amazing”, “You are unbelievable”, “You are fantastic”, “Thank you, thank you, thank you”. Somos nós que agradecemos, Mr. Gillan.
Eu temia que o Purple só fosse tocar coisa antiga, quebrei a cara: banda ativa, viva, lançando discos, tocando coisas novas, todas irresistíveis, ritmo fenomenal, envolvente. “Perfect Strangers” é cada vez mais progressiva. Steve Morse junto à cozinha do Purple palco desfilou uma sucessão de riffs antológicos, começando por “Sweet Child o’ Mine” em uma versão que nos levou todos às lágrimas, emendando com uma “Gimme Shelter” viril e soberba – se Keith Richards ouvisse, mudaria sua forma de tocá-la – depois o solo de “Stairway to Heaven” (Gloug informa que no Rio foi “Whole Lotta Love”), emendando com “Day Tripper” (in Rio, “Here Comes The Sun”) e então... “Smoke on The Water”!!! Versão ultra moderna, ultra ritmada, eu não acreditava no que via e ouvia, chorava e perguntava ao fã a meu lado que tudo conhecia – e que já estava pegando uma das socialites bebadas – “O quê é istooooo?”. Eu não acreditava. “Eu não acredito!”. Marcio em transe.
A versão ainda mais radical e descerebradamente rocker de “Space Truckin’ ” deixou a massa catatônica, pulando todos em um só bloco conjunto e fazendo o Pacaembu balançar (Glauco descreve como “mortífera; soco no fígado”).
Outro momento antológico foi durante o solo de baixo. A platéia começou a urrar o ritmo de “Black Night”. Roger Glover, que está parecendo um enorme gnomo, está igual ao Ian Anderson, foi para a frente do palco e começou a tocar acompanhando a massa. Os músicos ficaram em silêncio e a massa berrava o riff. Pois em uma das paradas e reentradas, a banda entrou junto! E tocaram a mais emocionante versão de “Black Night” de todos os tempos, acompanhados por mais de cem mil bocas ululantes e pares de olhos lacrimejantes.
Na lateral do palco, entre várias gostosas que rebolavam, Jô Soares de camisa amarela fumava um cigarro. Talvez estivesse lá para tentar se redimir da entrevista levada ao ar na véspera, provavelmente a mais bisonha de toda a sua carreira. Ele fez as mais despreparadas perguntas de todos os tempos: “’É a primeira vez que vocês vêm ao Brasil?” “Não, é a trigésima quarta” respondeu Roger Glover (o Deep Purple tem 34 anos de carreira). “É verdade que ‘Deep Purple’ era a música favorita da avó de Ritchie Blackmore?” perguntou ele, ignorando tratar-se de um desafeto da banda. “Não sei, nós não lembramos” respondeu Ian Paice. E muitas outras no mesmo (baixo) nível. Chegou a dizer ao Ian Paice: “Você é o membro da banda com quem eu mais me identifico: é gordo como eu”...
Não vou a um show no Brasil sem sair com a mesma impressão de sempre: platéia brasileira não sabe pedir bis. Pedem com pouco “punch”, com pouco tesão, acham que “já está incluso” no pacote, que é obrigação da banda. Pedido muito chocho. Resultado: as bandas voltam pouco.
Existem uns 20 shows que classifico com “um dos melhores 5 shows de minha vida”. Iggy, Jethro, Plant & Page, Dream Theater, INXS, RPM, Barão, Blitz (na chuva), Fish, Guns, Queen, Kiss (em 85), e muitos etcs. Bem o do Deep Purple se encaixa nesta categoria: foi um dos 5 melhores shows de minha vida. Estarei em todos os shows que eles vierem a fazer por aqui. Mais uma vez fui a um mega-show sozinho; mais uma vez eu era o mais velho, o que não mais me surpreende: “Still Crazy After All These Years”...
Nenhum comentário:
Postar um comentário