IGGY AND THE STOOGES e NINE INCH NAILS
FESTIVAL CLARO QUE É ROCK, MORUMBI, 26 DE NOVEMBRO DE 2005
Ainda resta uma esperança.
Quando ando pelos Shoppings, olhando vitrines e as modas que desfilam, me pego pensando que o que mais me faz falta no passado... é o Bom Gosto. Quanta saudade do Bom Gosto! Hoje, pitéus maravilhosos desfilam orgulhosas dentro de modelitos que só fazem revelar o imenso vazio de bom gosto que existe dentro de seus deliciosos corpitos e vazias cabecitas.
Mas... o one-day-open-air-festival Claro Que É Rock, em 26 de novembro de 2005 na longínqua Chácara do Jockey, um descampado além-Shopping Butantã, veio para me mostrar que AINDA RESTA UMA ESPERANÇA!
Eu me programara para assistir a boa parte dos shows – do comentado Cachorro Grande às 16h40m até o final do Nine Inch Nails às 03h30m da matina, passando por Moptop, Good Charlotte, Fantomas (de Mike Patton, que à última hora substituiu o Suicidal Tendencies) e Sonic Youth. Mas dizem que a vida se dá em ciclos de 7 anos, e o oitavo ciclo que iniciei há pouco mais de 5 meses vem demonstrando ser o ciclo da fragilidade orgânica – e uma violenta primeira sinusite de minha vida desandou em uma violenta primeira dor de dente de minha vida, e acabei focando apenas no supra sumo do evento: IGGY AND THE STOOGES, programados para as 23h15, e NINE INCH NAILS, que não conhecia porém prometia tudo, para as 01h55m.
O sempre presente e recém-solteiro Fabio Star colocou o carro à disposição, e seguimos por volta de 21hs. Fomos com casacos pesados, o que se revelou sapientíssima decisão apesar de estarmos quase no verão. Mas é São Paulo.
A chegada a um one-day-open-air-rock-festival é sempre aquela eletricidade no ar, ambiente cheio de energia e as melhores vibrações que este Planeta pode produzir. Logo na entrada vi ao longe Solange BF de casaco vermelho e maridão a tiracolo, ainda mais bela os 41 anos do que era aos 18. Aliás, 1964 foi um ano pródigo na produção de belas Mulheres.
Quem quiser ver Mulheres Maravilhosas e seus Decotes Voadores deve ir a um show de Rock, preferencialmente pesado. Roupas, pinturas, ousadias, nada é demais, tudo é belo e erótico e excitante e clima-de-rock. A eletricidade é livre, com a colaboração de todos, principalmente das Deusas – e nesta hora são todas Deusas-Cachorras-Tchutchucas-Popozudas-Preparadas. Deus, sem dúvida, é Homem...
Dois palcos gigantescos nas extremidades do imenso gramado, lembrando muito a Cidade do Rock no Rio. E uma surpresa na chegada: os shows estavam no horário! A alternância de shows e palcos permite que um palco seja preparado enquanto um show rola no outro lado, e assim chegamos no início do esquisito Flaming Lips, com o palco completamente tomado por gente vestida de bichinhos, sapos, sol, papai noel, pato, porco espinho, trocentas figuras nada-a-ver, o que fazia com que a música ficasse nada-a-ver. Assistimos a uma versão de "Bohemian Rapsodhy" com letra no telão (como se alguém não soubesse) que fez todo mundo a cantar junto. Saímos do tumulto rumo aos fétidos banheiros químicos e em seguida já fomos tomar lugar junto ao Palco A, para a performance de Iggy Stooge. Sábia decisão: faltavam uns 20 minutos para o término do show do Flaming Lips, e foi possível pegar uma ótima posição a uns 50 metros do palco.
IGGY
A primeira surpresa foi a bestial quantidade de fotógrafos na gigantesca boca de palco: sem exgero, eram mais de 100. Uma massa humana aguardando o cantor e a banda que o ultra precursor Gloug Guedes me fazia ouvir em 1970, quando tinha 12 anos e eu 14. Inacreditável: os discos dos Stooges devem ter vendido umas mil cópias na época (no mundo todo!), e Gloug, O Homem À Frente De Seu Tempo, foi um dos que comprou e me fazia ouvir aquele esporro através das paredes.
A banda se posta no palco; na lateral, Iggy pula frenético, parado em um mesmo lugar, parecendo um injetado lutador de boxe se aquecendo eufórico antes de uma final de pesos pesados, babando, espumando, pedindo, exigindo e implorando que a banda começasse o massacre. E veio “Loose”, e a partir daqui vai ser difícil manter a racionalidade e a compostura nesta narrativa.
Você pode imaginar a gesticulação do Iguana com o microfone com fio enquanto urrava: “I stick it deep inside, you know I stick it deep inside... ‘cos I’m LOOSE!”. Ninguém sabia o que fazer: a platéia pulava ensandecida, a centena de fotógrafos corria para um lado e para outro tentando acompanhar o demente, a porra da Claro encheu a boca de palco com aqueles imensos e completamente irritantes balões de propaganda que a massa ficava jogando de um lado para outro – isto me lembrou um show da Legião em Recife em 1986, quando durante a execução de “Geração Coca-Cola” a Pepsi jogou estas mesmas porras de giga-balões na platéia, a diferença é que Renato Russo ficou transtornado e começou a urrar: -“DESTRÓÓÓIII!!! DESTRÓÓÓIII!!!” e a platéia não se fez de rogada, e não esperou um instante e rasgou, destruiu, arrebentou completamente e instantaneamente as porras dos giga-balões de propaganda, foi muito lindo.
Iggy continuava stickin’ it deep inside, sem camisa e com a calça caindo cada vez mais, no final estava com a bunda completamente de fora, rebolando sem parar mesmo depois da música acabar, achei que fosse mostrar o pau, me lembrou uma capa de um jornal inglês de música que comprei em minha very first visit to São Paulo circa 1978, com Ronnie Garcia e Gloug, viemos atrás de artigos de Rock na loja Freedom na Alameda Lorena – na época o Rock ainda apenas balbuciava em Terra Brasilis, e tínhamos que vir a Sampa para comprar uma reles linguinha dos Stones de pendurar no pescoço – e encontramos um jornal cuja capa era um nu frontal de Iggy, inacreditável, calça quase no joelho mostrando uma portentosa jeba volumosa, não é à toa que ele gosta de se exibir.
Prossegue o show com ensadecidas versões de Down On The Street, 1969, TV Eye, todas as músicas dos dois discos “The Stooges” e “Fun House”. Versões modernas e poderosíssimas, Iggy anunciara em entrevista que eles só sabem tocar estas 16 músicas, "então vocês não vão ter muita opção"... e nem precisava. Veio aí a maior surpresa, que me fez ver que ainda resta uma esperança: quando cantou “I Wanna Be Your Dog” a massa INTEIRA berrava, urrava, pulava e se esgoelava sabendo TODA a letra de cor!!! Eu FILMEI isto, tenho a prova! Era impossível acreditar: aquele disco que só vendeu mil cópias no Mundo todo em 1970, que eu ouvia através das paredes tocado por um irmão de 12 anos... e agora todo mundo cantando, no Brasil??? Juro que até agora ainda não cosegui entender ou acreditar, não tivesse eu filmado quase o show inteiro pensaria que era efeito do febrão que me queimava (e só o febrão...).
Não pude resistir e telefonei para o Brother Gloug, tentando convencê-lo a ir ver o show no dia seguinte na Cidade do Rock no Rio na madruga de Domingo para Segunda, mico total, é na PQP. Ouvindo a balbúrdia ao fundo, Glauco definiu Iggy: -“É um Demente a Deus...”.
Durante a execução de “No Fun”, o apocalipse. Iggy pulava na platéia enlouquecida, chamava todo mundo para subir no palco, e começou a invasão. Os seguranças não sabiam o que fazer, os invasores arrancavam o microfone com fio de Iggy e urravam “No Fun!” e devolviam o microfone e se voltavam para a platéia e abriam os braços em uma exultação de vitória e alegria; chegamos a ter um duelo de guitarras onde um membro da platéia tocando air guitar (ou seja, guitarra invisível) DUELAVA com Ron Asheton, que respondia e correspondia! O bolo de gente ficou indo e vindo para cá e para lá na boca de palco ao longo de toda a música, balbúrdia descontrolada, platéia hipnotizada, rock de primeiríssima qualidade, emocionante, ainda resta uma esperança.
Por diversas vezes ao longo do show o Stooge chutou as câmeras que o espionavam de baixo para cima, ele estava andando e de repente pimba! um bico na câmera, e o cameraman fugia assustado em busca de algum outro lugar, como um cahorro que levou um bico de bicho furioso, um Iguana insano.
Final do show, palco apagado, era hora do Sonic Youth no Palco B, mas Iggy voltou e começou a urrar no palco deserto: -“I don’t give a fuck if you are the Government, if you’re fuckin’ MTV, turn on the lights! TURN ON THE LIGHTS, I wanna see the people!”, as luzes se acenderam, a banda voltou, e Iggy emendou um bis absolutamente não protocolar, depois disto foi quase expulso do palco, a banda saiu mas ele continuou lá rebolando, saiu rebolando, os Stooges são muitíssimo bons – ou ficaram bons – mas sem dúvida são a banda de apoio de um showman único, legítimo, hilário, demente a deus.
Demos uma olhada no Sonic Youth mas optamos por encarar um rango, e pegamos uma das monstruosas filas, cheias de gatas maravilhosas de todos os tipos, platéia completamente eclética com todos os modelitos de roupas e tribos, um happening ecumênico. Finalmente, após uns vinte minutos cheguei na frente da fila e pedi um tão desejado pedaço de pizza, ao que ouvi “aqui só vende cheeseburgersalada, pizza é lá do outro lado”, fiquei puto (comigo mesmo) mas encarei o delicioso cheeseburgersalada e um tonel de Coca. E voltei ao mesmo Palco A para esperar o Nine Inch Nails.
Eu nunca ouvira o NIN, mas além de ótimas referências da galera semi-rocker da Credicard (“é tudo de bom!”) era ainda o show de encerramento da noite, o que só podia significar algo no mínimo promissor. Pegamos um ótimo lugar, e a esta altura o assédio feminino já perdia o pudor, vejam vocês, até um doente grisalho é peixe (por falar em Peixe, saudações Romário Artilheiro do Brasileirão), mas não era para isto que eu estava lá, aliás nunca é. O Show do Sonic Youth não acabava nunca, talvez bom, porém do tipo viajandão, interminável, a platéia já aglomerada no outro palco para o Nine Inch... e dá-lhe zumbido de guitarra distorcida, deve até ser legal, mas ali tudo o que a galera pedia é o mesmo que o Dinho suplica no final de “Uma Arlinda Mulher” no delicioso disco dos Mamonas: “pelo amor de deus, PAREM COM ESTA PORRA!!!”
NINE INCH NAILS
Na montagem, o palco já mostrava o que seria, e a abertura nada deixou a desejar. Uma estonteante tempestade de luzes, cascatas estroboscópicas, fumaceira (na platéia também), spots, postes de luz piscante multicolorida, massa sonora, o famoso rock industrial, pesado, massacrante, fulminante, eficiente, empolgante, brilhante, não deixando pedra sobre pedra. Me lembrou o magistral (aqui eu vou ser espinafrado) show do Pet Shop Boys no TIM Festival em 2004 no Jockey em SP thanks to GustaFer, também um massacre sonoro de raríssimo e estupefaciante bom gosto visual. Músicos e músicas perfeitos (em ambos os casos), a platéia delirava com o NIN, filmei bastante pois não tinha confiança de que minha memória pudesse me dar a certeza da coisa ter sido realmente tão boa. Pois foi. Não consigo entender como alguém que já conhecesse o Nine Inch Nails, e achasse “tudo de bom”, possa ter deixado de ir a um espetáculo magistral destes (sim, isto é uma chamada). É disto que vamos nos lembrar aos 80 anos de idade, em minha opinião é na Música que o Ser Humano mais se aproxima do Divino. É disto que mais vou sentir falta quando finalmente deixar para trás este corpitc decadente e decrépito: da Música, do Rock. And Roll.
PS - PEARL JAM no PACAEMBÚ em 02/DEZ
Lotação adequada, acessos adequados, público eufórico, puta show. O curioso é que no fundo se trata de uma banda de garagem, como todas estas coisas de Seattle, e não consigo entender tamanho frisson. Mas aqui o organismo não resistiu, pois já eram quinze dias escarrando carnegões esverdeados, e com convulsões e calafrios de febre tive que ir embora no meio do show, graças à imensa compreensão da adorável Amabo. O principal registro é que a venda de cerveja estava proibida, mas o canhamo liberado. Assim, qualquer que seja o seu barato, vá abastecido para seu próximo show...
Seqüência para os próximos dias: Marcelo Nova na quinta-feira, Skank na 6ª (festa do trabalho), Dream Theater no sábado, Dream Theater novamente no domingo, Titãs na segunda (outra festa de trabalho). Na terça devo estar cuspindo sangue. Mas não tenho alternativa: Always Rocker...
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